Proteção do Complexo Dentinopulpar
Complexo Dentinopulpar
A evolução dos materiais adesivos e técnicas proporcionaram
a confecção de preparos cavitários mais conservadores, os quais associados à
técnica adesiva, contribuem para a preservação da estrutura dentária, selamento
dos túbulos dentinários, manutenção da vitalidade pulpar, prevenção da
microinfiltração e sensibilidade pós operatória.
Assim, a proteção pulpar pode ser alcançada por meio de várias estratégias, de
modo que o plano de tratamento é baseado no biótipo do paciente, no defeito a
ser restaurado e no material e técnicas a serem empregados.
Fatores associados a injúria do tecido pulpar: presença de
microorganismos no complexo dentinopulpar; exposição de túbulos dentinários não
selados; preparos cavitários profundos; desidratação da dentina; e geração de
calor.
As técnicas e materiais empregados na proteção do complexo
devem auxiliar na prevenção da microinfiltração, no selamento dos túbulos
dentinários, no isolamento térmico, químico e físico do tecido pulpar, no
estímulo à regeneração pulpar e na redução da sensibilidade pós-operatória.
Caracterização do
Complexo Dentinopulpar
A dentina é um tecido com características únicas
completamente distintas do tecido pulpar. No entanto ambos são originados da
mesma estrutura embriológica e permanecem intimamente relacionados durante o
desenvolvimento e toda a vida funcional do dente.
Desse modo, dentina e tecido pulpar são mais apropriadamente
abordados como uma estrutura integrada, denominada complexo dentinopulpar.
Todas as injúrias impostas à dentina repercutem instantaneamente ao tecido
pulpar, o qual é responsável direto pelas alterações fisiológicas resultantes
naquele tecido.
A dentina é um tecido mineralizado, avascular, permeado por
túbulos e intrinsicamente úmido. Sua composição básica tem sido descrita como
sendo 70% em peso de componentes inorgânicos, principalmente cristais de
apatita, 20% em componentes orgânicos, predominando o colágeno do tipo I, e 10%
em água, representada pela composição do fluido no interior dos túbulos
dentinários.
Os túbulos dentinários convergem à medida que caminham para
a superfície da câmara coronária, e como conseqüência, sua densidade e orientação
variam em função da distância em relação à superfície da câmara coronária. Essa
característica é considerada fator decisivo da escolha do material de proteção
indireta do complexo dentinopulpar no que diz respeito à sua biocompatibilidade.
Em outras palavras, um mesmo material forrador pode ser indicado e considerado
biocompatível, se aplicado em cavidades rasas ou de média profundidade, porém
apresenta efeitos tóxicos altamente indesejáveis, se aplicado em cavidades
profundas ou diretamente sobre o tecido pulpar.
A polpa dental é um tecido conjuntivo frouxo, ricamente
vascularizado e inervado. Em sua periferia (junção entre polpa e pré-dentina),
localizam-se os odontoblastos, que são células especializadas responsáveis pela
síntese dos diferentes tipos de dentina. O tecido pulpar é formado por 75% de
água e 25% de matéria orgânica (células e matriz extracelular).
Mecanismos de defesa
do complexo dentinopulpar
São três os mecanismos de defesa frente a agressões de
origem mecânica, química, térmica ou biológica:
1 – Inflamação e resposta humoral;
2 – Deposição de dentina intratubular;
3 - Deposição de dentina terciária;
Todos esses eventos tem como objetivo a manutenção da
vitalidade do tecido, especificamente dos odontoblastos, os quais são as
primeiras células sensibilizadas pelo agente agressor.
A formação de uma dentina terciária, representa também um mecanismo de defesa do
complexo. Desde que a intensidade da agressão não culmine com a morte celular,
a dentina terciária depositada é denominada de dentina reacional.
Caso a intensidade da agressão exceda a capacidade
adaptativa e de resposta defensiva dos odontoblastos primários, eles sofrem
morte celular e entram em processo de degeneração. Como parte do processo de
cura do tecido conjuntivo, essas células são repostas por células mesenquimais
indiferenciadas induzidas a sofrerem diferenciação em novos odontoblastos,
então denominadas de células odontoblastoides ou odontoblastos secundários. As
primeiras camadas de matriz dentinária depositadas por essas células constituem
um tecido amorfo e atubular denominado de dentina reparadora.
Proteção
dentinopulpar orientada pela espessura de dentina remanescente
Cavidades rasas e de média profundidade não requerem
especial atenção quanto à proteção do complexo dentinopulpar, uma vez que a
dentina remanescente apresenta espessura suficiente para proteger o tecido
pulpar contra agressões advindas da química dos materiais utilizados.
Entretanto, essas cavidades necessitam ser protegidas quanto ao risco de microinfiltração marginal e conseqüente invasão
antimicrobiana, bem como pela necessidade de selamento dos túbulos dentinários.
Já em cavidades profundas, representa um maior desafio a
manutenção da integridade do tecido pulpar, já que a espessura da dentina
favorece a difusão de componentes químicos dos materiais forradores, os quais
podem ser tóxicos as células pulpares, interferindo negativamente ou impedindo
o processo de reparo.
Capeamento indireto:
A academia americana de Odontopediatria define o tratamento pulpar indireto
como a remoção incompleta da dentina cariada com o intuito de evitar a
exposição do tecido pulpar concomitantemente ao tratamento do tecido cariado
com o material biocompativel.
Em outras palavras, o tratamento pulpar indireto é um
procedimento terapêutico que consiste na remoção de tecido infectado e
necrosado, mantendo somente a camada de dentina que fica no fundo da cavidade e
que, mesmo desmineralizada, ainda possui vitalidade. (Remoção da dentina
infectada, mantendo a dentina afetada)
A remoção da dentina cariada em duas etapas, também chamada
de tratamento expectante, tem sido sugerida com a finalidade de evitar a
exposição pulpar, culminando em resultados terapêuticos favoráveis. Consiste,
pois, na remoção superficial de dentina cariada na primeira consulta e na
remoção final após diferentes intervalos de tempo.
Proteção Direta
Também denominada capeaamento pulpar, esta técnica consiste em proteger a
exposição ou ferida pulpar por meio de substâncias biologicamente compatíveis
com a polpa e que ajudam a cicatrizar, preservando a vitalidade pulpar.
Tal medida está indicada nos casos de exposição acidental da
polpa durante a remoção da dentina cariada e preparo da cavidade,
principalmente em dentes jovens.
Curetagem
A curetagem consiste na estrita remoção da polpa patológica, enquanto o
resto da polpa permanece intacta e recoberta por material biológico.
Pulpotomia
Técnica com maiores índices de sucesso entre os tratamentos conservadores
da polpa. Trata-se de remover a polpa coronária em sua totalidade com curetas
afiadas para, então, cobrir a polpa radicular com material biocompativel.
Esta técnica é indicada em dentes jovens decíduos e
permanentes, principalmente antes do término da formação apical.
Materiais de proteção
do complexo dentinopulpar
Materiais: verniz cavitário, hidróxido de cálcio, cimentos
de ionômero de vidro e hibridização dentária (condicionamento ácido e aplicação
do sistema adesivo).
Requisitos para um agente de proteção ideal:
Promover isolamento térmico e elétrico;
apresentar efeito antimicrobiano; apresentar adesividade às estruturas
dentárias; ser biocompatível e estimular as funções biológicas da polpa, de
modo a favorecer a formação de dentina reacional/reparadora; apresentar efeito
remineralizante e contribuir para a dentinogênese; preservar a vitalidade da
polpa e dos demais tecidos dentários; não provocar alteração de cor e
solubilidade do material em frente à exposição aos fluidos bucais; e prevenir a
infiltração microbiana na margem das restaurações.
Existem 3 Grupos de
agentes de proteção dentinopulpar designados para: selamento, forramento e base.
Selamento: Os materiais para selamento apresentam-se
na forma líquida, sendo aplicados sobre as paredes de cavidades rasas e médias,
onde se observa grande espessura de dentina remanescente e a formação de películas
de até 0,05 mm. Esse grupo de materiais é representado por vernizes e sistemas
adesivos.
Bases: Os materiais empregados na confecção de bases
têm apresentação comercial, geralmente, na forma de pó e líquido, os quais,
após manipulação, adquirem consistência espessa sendo aplicados em camadas
superiores a 1 mm. As bases representadas principalmente pelos cimentos de
ionômero de vidro, servem de infraestrutura para restaurações definitivas de
cavidades médias a profundas, nas quais se observa espessura média de dentina
entre 0,5 a 1,5 mm.
Marca comercial de ionômero de vidro.
Forradores: Os forradores são empregados nas regiões mais profundas de
cavidades classificadas como muito profundas, nas quais a espessura do
remanescente de dentina é igual ou inferior a 0,5mm, sendo necessária a
aplicação de um material protetor entre a base e o tecido dentinário. São
considerados forradores os cimentos e pastas de hidróxido de cálcio e o MTA, e
a espessura de sua aplicação é de aproximadamente 0,5mm.
Segundo Ritter e Swift Jr.
Os materiais de proteção podem
ser genericamente classificados em forradores, bases, vernizes, selantes e
adesivos dentinários.
Forradores:
Os materiais forradores (linners) são materiais fluidos, empregados em fina
camada, em regiões de pequena espessura de dentina remanescente (0,5 mm). São
utilizados no selamento dos túbulos dentinários, na redução da permeabilidade
dentinária e para a proteção dos efeitos tóxicos do material restaurador. Os
principais representantes desse grupo são os cimentos de hidróxido de cálcio e
os cimentos de ionômero de vidro utilizados para forramento.
Bases:
As bases são materiais mais resistentes e menos fluidos, aplicados sobre uma
maior espessura de dentina remanescente (1,0 mm) ou sobre materiais forradores.
Sua principal função é o isolamento mecânico, físico, térmico, químico e
elétrico do tecido pulpar, de modo a proporcionar um preparo cavitário ideal
para cavidades profundas.
Os materiais que podem atuar como base são os cimentos de ionômero de vidro
(convencional e reforçado por resina), os cimentos à base de óxido de zinco e
eugenol (convencional e reforçado por resina) e os cimentos de policarboxilato
e fosfato de zinco.
Vernizes cavitários:
São obtidos de resinas sintéticas ou naturais
suspensas em solventes orgânicos, os quais foram utilizados durante muitos anos
para o selamento de túbulos dentinários em restaurações de amálgama e confecção
de coroas totais. No entanto, a literatura tem
demonstrado que a evolução dos materiais e técnicas , que proporcionaram a
redução dos produtos de corrosão, e os avanços da Odontologia adesiva tornaram
o uso dos vernizes obsoleto.
Selantes:
Devido ao alto poder de escoamento, os
selantes podem ser utilizados em substituição aos vernizes cavitários, quando
da prevenção da infiltração marginal. Entretanto, ao investigar a indicação de
materiais de proteção do complexo dentinopulpar por especialistas brasileiros
da Dentística, Takanashi e colaboradores não identificaram os selantes como material indicado para este fim.
Sistemas
adesivos:
Esse
material, empregado na hibridização da dentina e adesão aos materiais
restauradores resinosos, adquire importância na proteção do complexo
dentinopulpar ao contribuir para o selamento dos túbulos dentinários, retenção
do material restaurador e prevenção de infiltração bacteriana.
Verniz
O verniz a base de copal foi utilizado durante muitos anos,
com o objetivo de contribuir para o selamento da interface amálgama-dente, até
a formação de produtos de corrosão que preenchessem esse microespaço. Assim era
esperado que o verniz atuasse de modo a impedir a penetração de substâncias
corantes e/ou de agentes irritantes provenientes dos materiais restauradores ou
cimentantes.
O príncipio que preconizava a utilização do verniz cavitário
em restaurações de amálgama considerava que a solubilidade desse material fazia
com que ele fosse substituído pelos produtos de corrosão do amálgama que selam
a interface. Entretanto diversos estudos demonstram que o verniz cavitário é
ineficiente como agente protetor do complexo dentinopulpar, especialmente nos
casos em que se verifica a utilização de ligas com baixo teor de produtos de
corrosão.
A literatura comprovou que a utilização do verniz cavitário
favoreceu a microinfiltração marginal e não contribuiu para a proteção do
complexo dentinopulpar, sendo demonstrado que o forramento com CIV é mais
eficaz em prevenir microinfiltração.
Além de ser um fraco isolante térmico, o verniz é altamente
solúvel e não cobre uniformemente a dentina. Assim, a sua utilização, como
protetor da interface dente-restauração, tornou-se obsoleta.
Baratieri e colaboradores destacaram que as ligas ricas em
cobre não apresentam a fase gama-2 em quantidade significativa, ocorrendo baixa
corrosão. Desse modo, a literatura considera que outro
mecanismo de vedamento marginal, ou simplesmente a ausência de selamento, deve
ser empregado nas retaurações de amálgama.
Selantes
Os selantes são materiais resinosos compostos por
hidroximetil-metacrilato (HEMA) associados, ou não, a agentes microbianos e
dessensibilizantes (clorexidina e glutaraldeído), os quais podem ser empregados
no condicionamento de restaurações diretas e indiretas, selamento de margens,
pequenas fraturas e fendas.
Porém a literatura ainda é escassa quanto à utilização desse
material com fins de proteção do complexo dentinopulpar e prevenção de
infiltração marginal.
Hibridização Dentária
(Condicionamento ácido + Sistema adesivo)
As técnicas de restauração adesiva e hibridização dos
tecidos duros contribuem para a proteção pulpar, ao viabilizar a preservação da
estrutura dentária e a manutenção da interface dente-restauração livre de
microrganismos. Outro aspecto considerado satisfatório à proteção do órgão pulpar
é o isolamento térmico e eletrolítico, selamento dos túbulos dentinários e
adequada adaptação às paredes da cavidade.
Ao avaliar a adaptação de materiais de proteção do complexo
dentinopulpar, Peliz, Duarte e Dinelli identificaram que a hibridização da
dentina (condicionamento ácido seguido pela aplicação do sistema adesivo)
favoreceu a redução da microinfiltração marginal, especialmente quando
comparada com a proteção com o CIV e cimento de hidróxido de cálcio. Esse
efeito foi observado mesmo em cavidades com elevado fator C, nas quais a
utilização do sistema adesivo contribuiu para a redução do número de fendas. No
entanto, apesar das propriedades mecânicas satisfatórias, esses monômero causam
efeitos irreversíveis ao metabolismo celular, representados por reações
inflamatórias, irritativas e necrose tecidual.
Conforme discutido por Huang e Colaboradores, os monômeros
resinosos dos sistemas adesivos apresentam a habilidade de se difundir ao longo
dos túbulos dentinários e atingir os tecidos pulpares em concentrações
diretamente proporcionais aos seus pesos moleculares. Destaca-se também que, mesmo
considerando a pressão intrapulpar, esses materiais têm o potencial de causar
agressões aos tecidos biológicos, de modo que a permeabilidade da dentina e a
proximidade com a polpa devem ser fatores investigados quando da proteção do
complexo dentinopulpar.
Os agentes adesivos liberam a canforoquinona, um
fotoiniciador e fotossensibilizador, largamente utilizado no processo de
polimerização das resinas compostas e na geração de radicais livres, incluindo
o oxigênio nascente.
A literatura descreveu que a canforoquinona não atua
exclusivamente como agente citotóxico, mas também como mutagênico. Os autores
verificaram que sua lixiviação pode explicar parcialmente como esses produtos
resinosos são considerados agentes tóxicos. Assim, o tempo decorrido entre a aplicação
e a polimerização do sistema adesivo também interfere no efeito tóxico a polpa,
traduzido pela difusão de monômeros e canforoquinona.
Apesar dos efeitos tóxicos ao tecido pulpar observados por
vários estudos, algumas pesquisas têm sugerido que os sistemas adesivos podem
ser utilizados no campeamento pulpar direto, produzindo efeitos semelhantes ao
hidróxido de cálcio. Entretanto, o uso desses materiais como proteção a ser
aplicada diretamente sobre a polpa é controverso e contraria as evidências que
comprovam a citotoxidade dos monômeros resinosos e os seus efeitos danosos aos
tecidos pulpares.
Conforme discutido por Modena e colaboradores, os estudos
que defendem a proteção pulpar direta pelo uso de sistemas adesivos são
suportados pela hipótese de que a regeneração pulpar é alcançada a partir do
controle da hemorragia e do selamento hermético da cavidade contra a infecção
microbiana. No entanto, a literatura observa que existem diferenças marcantes
entre a resposta da polpa frente a procedimentos de capeamento que utilizam os
sistemas adesivos e aqueles que fazem uso do hidróxido de cálcio ou MTA. O tipo
de resposta inflamatória e a qualidade de regeneração tecidual observada para
formação de dentina e reparo da camada de odontoblastos são mais eficientes
quando do capeamento direto por hidróxido de cálcio ou MTA.
Ao avaliar a influência da espessura remanescente de dentina
na resposta inflamatória pulpar, Murray e colaboradores identificaram que os
danos ao tecido pulpar são evitados diante da maior espessura do remanescente
dentinário (acima de 0,5mm) e da utilização de material protetor que estimule a
formação de dentina reacional (hidróxido de cálcio). Assim, nos casos de
restauração de cavidades profundas ou muito profundas, recomenda-se o uso de
materiais protetores derivados de hidróxido de cálcio (forradores) e cimento de
ionômero de vidro (bases), de modo a evitar a difusão de monômeros resinosos e
a geração de possíveis efeitos tóxicos ao tecido pulpar. Para cavidades médias
e rasas, a hibridização (ataque ácido + sistema adesivo) ainda desempenha papel
importante na retenção do material restaurador, selamento de túbulos
dentinários, prevenção de microinfiltração e isolamento químico, térmico e
mecânico.
Cimento de Ionômero
de Video (CIV)
Os cimentos de ionômero de vidro (CIVs) foram desenvolvidos
por Wilson e Kent em 1971 e introduzidos no mercado na década de 70. A sua
popularidade é associada ao fato de esse material apresentar muitas
propriedades importantes, a exemplo da liberação e recarga de flúor,
coeficiente de expansão térmica e módulo de elasticidade semelhante a dentina,
biocompatibilidade e adesividade ao esmalte e a dentina.
São encontrados no mercado diferentes variações dos CIVs,
indicados para forramentos, confecção de bases, restaurações e cimentação, os
quais variam em composição e viscosidade de acordo com a função designada para
uso clínico.
O CIV pode ser aplicado como material restaurador provisório
nos tratamentos expectantes e como base para restaurações definitivas.
Apesar das vantagens inerentes desse material, a literatura
descreve que os CIVs convencionais são susceptíveis à desidratação, apresentam
alto grau de solubilidade e degradação, possuem propriedades mecânicas
insatisfatórias, longo tempo de presa e provocam alteração de coloração dos
compósitos empregados como material restaurador definitivo.
Com o objetivo de suprir as limitações do CIV convencional,
foi desenvolvido o CIV modificado por resina (CIVMR), onde foram incorporados
monômeros polimerizáveis aquosos, (HEMA), que favoreceu as propriedades
mecânicas desse material. Entretanto como foi mencionado na sessão sobre
hibridização, a incorporação de monômeros resinosos (HEMA) produziu o aumento
do seu efeito tóxico, quando comparado ao CIV convencional.
Os CIV e seus derivados apresentam ação antimicrobiana,
adesividade e biocompatibilidade aos tecidos dentários, sendo indicados para a
proteção indireta do complexo dentinopulpar.
Nos casos que se verifica a necessidade de construção de
restaurações provisórias, ou base para restaurações, com maior resistência
mecânica, sobre maior espessura de dentina remanescente, os CIVMRs são mais
indicados que o CIV convencional.
Cimento de Óxido de
Zinco e Eugenol (OZE)
O cimento de óxido de zinco e eugenol é utilizado no
selamento provisório de cavidades e como base de restaurações definitivas. Esse
material foi utilizado durante vários anos pela sua capacidade de diminuir ou
eliminar a sensibilidade pós-operatória com a difusão do eugenol pelos túbulos
dentinários que possuem conexão com o tecido pulpar. Apesar de proporcionar um
excelente isolamento térmico, não é suficientemente forte para suportar
condensação do amálgama em situações de grande stresse, possuindo desse modo,
propriedades mecânicas insatisfatórias.
Na tentativa de favorecer a resistência mecânica desse
material, foi desenvolvido o cimento de óxido de zinco e eugenol reforçado por
resina, representado pelas marcas comerciais Zoer IRM e IRM.
Entretanto Pires-deSouza, Contente e Casemiro demonstraram
que o cimento de OZE reforçado por resina favoreceu a microinfiltração marginal
de restaurações provisórias após a realização de ensaio de envelhecimento in vitro (termoreciclagem). Os mesmo
autores consideram fundamental a proteção superficial das restaurações
provisórias, visto que a infiltração marginal constitui agressão aos tecidos
biológicos, uma vez que favorecerá a penetração de microrganismos, a recidiva
de cárie e a sensibilidade pós-operatória.
Estudo mostrou que o cimento de OZE pode causar uma reação
inflamatória crônica na polpa antes da formação de dentina reparadora, e que
esse material poderia interferir na ação dos sistemas adesivos, especialmente
devido a presença do eugenol em sua composição. Outro aspecto importante é a
sua elevada solubilidade e baixa estabilidade no meio bucal, o que leva à
desintegração da matriz e microinfiltração marginal, prejudiciais aos tecidos
dentais. Portanto, devido às propriedades inerentes deste material, o cimento
de óxido de zinco e eugenol é pouco indicado para proteção do complexo
dentinopulpar.
Hidróxido de Cálcio
O hidróxido de cálcio continua sendo o material de proteção
pulpar mais aceito na prática odontológica, pelo seu baixo custo, ação
antibacteriana e biocompatibilidade.
A ação do hidróxido de cálcio sobre o tecido pulpar é
representada pelo estímulo à formação de uma barreira tecidual mineralizada.
Segundo Estrela e Holland, a capacidade de estimular a remineralização,
associada à efetividade antimicrobiana, confere sucesso obtido pelo hidróxido
de cálcio em sua aplicação na endodontia e na proteção do complexo
dentinopulpar.
A utilização clínica do hidróxido de cálcio pode se dar por
duas formas em pó (Pró-Análise – P.A.), pasta ou cimento, a depender da
situação clínica a ser tratada. Segundo Reis e Loguércio, o hidróxido de cálcio
P.A. é empregado nos casos de proteção direta do tecido pulpar, na qual se
objetiva a estimulação das células odontoblásticas e mesenquimais para formação
de barreira tecidual mineralizada na região exposta (dentinogênese), associada
ao controle da inflamação, redução do pH e eliminação de microrganismos
invasores. Por outro lado, a pasta e o cimento de hidróxido de cálcio são
empregados na proteção indireta do complexo dentinopulpar. O seu efeito é
observado a distância, com os mesmos resultados esperados para proteção direta.
Conforme discutido por Estrela e Holland, o hidróxido de
cálcio é uma excelente opção terapêutica quando a situação clínica exige a
realização de proteção pulpar direta (capeamento pulpar) ou a aplicação de
medicação intracanal. Dessa forma, são considerados os efeitos biológicos,
traduzidos pela biocompatibilidade e indução da dentinogênese, bem como o
efeito antimicrobiano, representado pela inibição da atividade de
microrganismos.
A resposta de polpas dentárias humanas após a pulpotomia
parcial com dois produtos à base de hidróxido de cálcio foi avaliada por Subay
e colaboradores, os quais confirmaram que o efeito histológico de cimentos de
hidróxido de cálcio aplicado sobre a polpa resulta em completa cicatrização dos
tecidos pulpares e formação de barreira tecidual mineralizada de dentina.
Segundo Subay et al. a utilização do cimento Dycal em procedimentos de proteção
direta contribui para a recuperação tecidual, formação de ponte de dentina e
exclusão de infiltrado bacteriano.
Ao avaliarem o efeito, em longo prazo, de capeamentos
pulpares diretos e o respectivo desfecho de tratamento com hidróxido de cálcio,
Dammaschke, Leidinger e Schafer identificaram que 80,2% dos dentes tratados
apresentaram desfecho favorável. A melhor resposta pulpar foi observada em
indivíduos com idade inferior a 40 anos, tecido pulpar clinicamente saudável
(ausência de dor espontânea) e nos dentes em que se aplicaram restaurações de
CIV. Conforme discutido pela literatura, a proteção direta do tecido pulpar com
hidróxido de cálcio viabiliza a maior sobrevida. Esse tratamento é indicado
para dentes com tecido pulpar exposto e clinicamente saudável.
Agregado Trióxido
Mineral (MTA)
O agregado trióxido mineral (MTA) foi desenvolvido pela
University of Loma Linda (USA) para selar a comunicação entre o sistema de
canais radiculares e a superfície externa em todos os níveis. Recentemente, tem
sido usado com o material para capeamento pulpar direto e para o tratamento da
perfuração acidental da dentina, porém sua maior limitação é o alto custo.
Estudos tem demonstrado que o MTA apresenta composição
semelhante ao cimento Portland (utilizado na construção civil), na qual se
verifica a presença de compostos minerais a exemplo de óxido de silício, óxido
de alumínio, óxido de cálcio, silicato dicálcico, sulfato de cálcio diidratado
e óxido de bismuto, este último responsável pela radiopacidade do material. As
diferenças identificadas entre o cimento Portland e o MTA se encontram na forma
das partículas (menores e uniformes para o MTA) e na presença do óxido de
bismuto, localizado no MTA. Entretanto ainda são escassos os estudos que
comparam a ação desses dois materiais e verificam suas implicações clínicas.
Entre as propriedades do MTA, destacam-se:
biocompatibilidade, ótima capacidade de selamento, efeito antibacteriano,
ausência de potencial mutagênico, baixa citotoxicidade, estíbulo a formação de
tecido mineralizado e estímulo à regeneração tecidual do periodonto. O estudo
de Queiroz e colaboradores demonstrou que, diante do capeamento pulpar direto,
o MTA e o hidróxido de cálcio apresentaram resposta similar aos tecidos
pulpares e periapicais. Assim, o MTA consiste em um material de adequado
desempenho para a realização de procedimento de proteção dentinopulpar.
Nair e colaboradores realizaram um ensaio clínico
randomizado e controlado para avaliação histológica, ultraestrutural e
qualitativa da resposta pulpar humana em frente ao capeamento experimental com
MTA e cimento á base de hidróxido de cálcio Dycal. Os elementos dentários (terceiros
molares) de indivíduos voluntários sofreram pulpotomia iatrogênica e foram
tratados com MTA ou cimendo de hidróxido de cálcio (Dycal), para posterior
avaliação após uma semana, um mês e três meses de tratamento. Conforme exposto
por Nair e colaboradores, o tratamento com MTA foi mais eficaz que o HC na
recuperação tecidual, em todos os tempos analisados. O tratamento com MTA
resultou em menor grau de inflamação, maior estímulo à regeneração tecidual e
maior neoformação de dentina mineralizada.
Dessa forma, verifica-se, de acordo com os trabalhos
estudados nesta revisão, que o tratamento com MTA, ou produtos equivalentes,
obteve resultados mais satisfatórios que o hidróxido de cálcio, devendo ser o
material de escolha para os procedimentos de proteção pulpar direta. No entanto
mais estudos prospectivos e de acompanhamento longitudinal são necessários, de
modo a confirmar a eficácia e a efetividade desse material na proteção do
complexo dentinopulpar.
Conclusão
Conforme discutido nesta investigação , os materiais de proteção devem
apresentar atividade antimicrobiana, proporcionar efeito remineralizante,
prevenir a microinfiltração marginal, selar túbulos dentinários, promover
isolamento térmico, químico e elétrico, ser biologicamente compatível, estimular
a recuperação do tecido pulpar e contribuir para a neoformação de dentina.